13 de fev. de 2009

"Em um depósito de lixo fumegante localizado acima de um manguezal à beira da favela, homens agacham-se por todos os cantos, de tangas arregaçadas, e defecam à luz da manhã. Cachorros sarnentos se esquivam entre montes de entulho e lixo doméstico".



Esse é apenas um fragmento da descrição da viagem que o jornalista Victor Mallet do Financial Times fez à Dharavi, favela indiana de Mumbai, considerada a maior da Ásia. Ao contrário do que se possa imaginar, a reportagem não se propunha a fazer uma denúncia social ou algo do gênero, mas sim a divulgar um pacote turístico. Isso mesmo, Mallet fazia parte de um grupo que comprou o pacote da Reality Tours and Travel, uma empresa especializada naquilo que se convencionou chamar de turismo vivencial.

Segundo consta, o turismo vivencial começou nas favelas brasileiras há 17 anos, quando um jovem chamado Marcelo Armstrong levou alguns turistas para a Rocinha, então a maior favela da América Latina (hoje a Rocinha não é mais considerada uma favela, mas um bairro carioca). Sua empresa, a Favela Tour, cresceu e deu origem a uma dúzia de imitadores. Hoje, em qualquer dia no Rio, dezenas de turistas sobem em minivans e motos e se aventuram por lugares em que mesmo a polícia não tem coragem de pisar.



Fundada por Chris Way, um ex-contador britânico, a Reality Tours and Travel é pioneira em pacotes de turismo vivencial nas favelas de Mumbai. A empresa, que também já tem várias imitadoras, cobra um preço relativamente baixo pelo tour e destina 80% dos lucros para as comunidades carentes que visita. Dharavi pode ser equiparada em termos de prestígio nas opções de passeio dos mochileiros à nossa Rocinha. A favela tem 1 milhão de moradores que se espremem numa pequena área. Abriga ainda 10 mil pequenas empresas que chegam a faturar anualmente US$ 665 milhões.

Os números impressionam, assim como a miséria generalizada, que, a bem da verdade, é o grande ingrediente dos passeios. A visita, que dura cerca de três horas, custa o equivalente a R$ 19 a pé ou R$ 38 em veículo motorizado. Bem mais barato, diga-se de passagem, do que o passeio à Rocinha, que custa em média R$ 65,00 pelo mesmo tempo de percurso.



Segundo os empreendedores do mercado de turismo vivencial, por assim dizer, os passeios são super seguros, mas podem ser tensos. Ou até mais do que isso. Segundo denúncia da Folha de S.Paulo, publicada no ano passado, a agência de turismo Private Tours, ofereceria aos turistas interessados experiências nas favelas pra lá de extravagantes. Um jornalista, disfarçado de turista, teria participado de uma dessas visitas que incluiu uma ida às “bocas de fumo”, os famosos pontos de venda de droga das favelas. Segundo o repórter, os turistas percorrem as ruas estreitas do morro, fazem contato com os traficantes, que lhes contam historias sobre o tempo que passaram na prisão e descrevem o seu estilo de vida, além de posar para fotografias, com as caras tapadas e metralhadoras em punho.

A agência Jeep Tour, por sua vez, organiza um passeio pela Rocinha em um tanque de guerra, com guias vestidos ao estilo Indiana Jones (como retratado pelos personagens interpretados por Oscar Maroni e Leticia Spiller na novela global Duas Caras).


Fora do Brasil, a fome de realismo de alguns turistas não tem limites. No Parque Ecoalberto, no México, o turista pode participar de uma simulação de imigração ilegal aos Estados Unidos. A caminhada noturna de 4 horas atravessa desertos, morros e leitos de rios. O visitante acampa à noite, rasteja pelo chão, cruza pântanos e cachoeiras e tenta atravessar a fronteira de mentirinha. Tem guardas armados e tudo. Para deixar as coisas mais reais, foram contratados ex-atravessadores de imigrantes. A brincadeira custa US$ 18 por dia.

Mundo afora, turistas podem ainda, por exemplo, visitar os locais das matanças cometidas pelos khmeres vermelhos no Camboja, que deixaram dois milhões de mortos. Na Polônia, o campo de concentração de Auschwitz é a atração turística mais visitada do país... a lista é grande e, pelo que tudo indica, o apetite não tem fim.

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